domingo, 7 de julio de 2019

VIOLÃO SOZINHO

À memória de João Gilberto (1931-2019)

Fica alí, sozinho, teu violão.
Boca aberta de cansaço, mesmo
de tristeza. Com o rugoso acento
do mar ainda nas cordas: um salitre
amargo e medonho de partidas
sem o devido silêncio saindo,
da serena cavidade do tempo.


Viu-te ires embora, sem saber
que chegava de saudade
na desafinada dança das ondas,
ao pé da costa, a bater nas mãos,
a invejar os dedos magros
a tua morte namorada. Garota
ao balanço dos olhos de cãozinho fraco.

Fica alí, sozinho, ao canto do canto
já adormecido, a debruçar-se dos braços
espalhados do Cristo Rei, lá na altura,
onde nasce uma imensa lágrima de areia,
um pranto de pedra apenas audível
como quebrado, como cheiro de pão
aceso, iluminando a baia toda.

Vozes tímidas que ainda não acham
a palavra justa para esquecer,
que ainda nascem da sombra leviana,
doentes já, sem saber aonde apontarem;
sem perceber o signo licuado que agora
brinca entre as crianças da rua açucarada.

Falando e caindo, soprando a brisa suavemente.
Fica alí, sozinho, teu violão.
Coração pequenino, à espera da tua voz,
a vibrar de novo até a raiz
que fez da sua pel o encanto eterno.

Fica alí, sozinho, João.
O teu sorriso é já sempre
nossa bossa em ovação.